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Título:
A COLECIONADORA DE CORUJINHAS
Autor: José Eduardo
Degrazia
Dimensões: 14 x 21 cm
Páginas:
Gênero: Conto
Ano: 2016
NAVEGANDO COM JOSÉ EDUARDO
DEGRAZIA
Interessante ler e escrever dentro de um barco. Nas
águas calmas do Guaíba, o movimento é leve como a
cadência de um poema. Ou de um conto inteligente e
bem-humorado.
O segundo deles também serveria de epígrafe: Os
Cabeças-Duras. Aconselho que seja lido várias vezes, de
cima para baixo e de baixo para cima. Quem o fizer me
entenderá. Ele dá a chave para a compreensão dos
demais.
Em verdade, somos todos uns tercos, têtus, stubborns, ou
como se traduza essa expressão em qualquer lugar do
mundo, de Porto Alegre a Katmandu. Individualistas desde
Adão e Eva, teimosos valentemente do berço à tumba,
vomitando no babeiro o leite precioso da nossa mãe e
exigindo da pessoa amada que nossas cinzas sejam jogadas
de um avião no lugar mais complicado: numa praia de
Garopaba, por exemplo.
Lembramos de Buñuel? Sim, em muitos contos. O Cego, por
exemplo, pode ter sido inspirado no Chien Andalou,
primeiro filme do mestre surrealista. E muitos outros,
como Pirâmide Humana e A Última Sessão, têm o sabor
agridoce de Viridiana.
Vou percorrendo o livro com encanto, chego ao fim, volto
ao começo e, de repente, autor e leitor se encontram
navegando juntos. Há algum lugar? pergunta o escritor. E
ele mesmo responde: Largou o bote no rio e se deixou
levar. Fora do centro e distante das margens é o seu
lugar.
Da poesia, onde conquistou prêmios na língua materna e
em muitas outras, Degrazia transfere para a prosa o
domínio tátil e emocional das palavras. Aliás, como
dizia Mozart Pereira Soares, a poesia sempre abre
caminho para a boa prosa. E principalmente neste estilo
de minicontos, onde a síntese é o segredo para a
conquista do leitor.
Mas poesia e prosa, irmãs gêmeas desde a Grécia Antiga,
só sobrevivem pelo talento e cultura do seu autor.
Principalmente da cultura que herdamos ao nascer, seja
com cheiro de campo ou de asfalto. Mas também da que
vamos juntando pelo caminho, como fez Degrazia, lendo
muito, vivendo duas profissões e andarilhando pelo
Planeta Terra.
Uma das últimas vezes que conversei com ele foi no
agitado café da manhã de um hotel em Havana. Nenhum de
nós sabia que o outro estava em Cuba para participar da
Feira do Livro. Trocamos algumas palavras simpáticas e
seguimos cada um para o mesmo lado.
Sim, Degrazia e eu, embora nos encontremos muito pouco
no cotidiano, sempre vamos para o mesmo lado na
literatura. Por isso, esqueço a linda navegada e volto à
querência, em Alegrete. Apeio do meu cavalo Milagre,
tordilho de velha cepa, e abro a porteira deste livro
para quem quiser passar. E não esqueço, num gesto largo,
de tirar o meu chapéu.
Alcy Cheuiche
Porto Alegre, outono de 2016. |