VANESSA SILA nasceu em Porto Alegre em 1961. Formada em Letras - Tradutor Intérprete na Pontifícia Universidade Católica do RGS (PUCRS) em 1986. É professora de inglês. Cursou algumas oficinas literárias. Este é seu sétimo livro.
Por que escrevemos?
Gabriela Silva
Em “Cartas a um jovem escritor”, Mario Vargas Llosa
fala que a vocação literária tem, como atributo
principal, o exercício dessa habilidade que é a
escrita. É o que acontece em “Nanoromance”. Vanessa
Silla exerce sobre o texto e, em conseqüência, sobre
nós, seus leitores, o fascínio a respeito do
processo de escrita, descrevendo o processo de
engendramento do texto literário, desde a sua
gênese, no mundo das ideias silenciosas, até o
encontro definitivo com o papel. A cada novo
capítulo, o texto se desdobra em vários outros e, em
um jogo de fragmentos e continuidades, surge o
romance, ou melhor, um meta-romance. A criação de um
texto narrativo é algo que parece envolta em
mistério para a maioria dos leitores. De onde surgem
as ideias, por quais caminhos tortuosos e mágicos
elas se consolidam nas obras?
O cerne deste romance é a construção do próprio
texto, desnudando as emoções e peculiaridades do
cotidiano de um escritor. Iniciamos a narrativa
dentro do universo particular da narradora: Lyna
Luck, uma estudante de escrita criativa,
frequentadora de oficinas, que procura a palavra
certa para seus textos, a emoção exata para suas
personagens e, mais do que isso, busca entender a si
mesma nas linhas de suas produções.
Esse cotidiano não é tratado como um calendário, mas
através de inserções dos elementos que movem os seus
dias: trabalho, amigos, relacionamentos, memórias,
redes sociais, escolhas musicais e leituras que lhe
acompanham. O escritor, na obra de Vanessa, não se
isola do mundo, numa aura de divindade e como um
ermitão dedica-se à escrita. Ele participa do mundo
e, dele, tira suas histórias. As personagens de
“Nanoromance” estão repletas de vida, de sentido e
de similaridade com o mundo real. As relações
cotidianas, complexas ou simples, aparecem no
romance, em torno da protagonista, nas ideias e
dificuldades dos processos de escrita pelos quais
passa.
Diferentes narradores compõem o romance, mudando de
acordo com a frequência da narração e do foco de
Lyna: uma hora é a história de Rita e Arthur, em
primeira pessoa, romance que ela se propõe a
escrever todos os dias; em outro momento, Crista,
que é um dos exercícios de oficina, conta a sua
história e, por fim, surge “Mulheres Bovary”,
romance em vinte capítulos feito a pedido do
professor. Lyna também se desdobra, transformando-se
um pouco em cada uma de suas personagens. James Wood
em “Como funciona a ficção” comenta que uma das mais
importantes características de um autor é capacidade
da criação da linguagem para cada personagem e de
mantê-la ao longo da narrativa, Vanessa faz isso com
precisão, suas personagens possuem modos distintos
de expressão, de fala, de condução de ideias e em
nenhum momento elas se misturam, são únicas,
diferentes e ao mesmo tempo indissociáveis na
leitura do romance.
A cada nova história construída por Lyna, Vanessa
também se desdobra e se constrói como autora. A
metaficção e a ideia do “mise-em-abyme” são o centro
da narrativa, em que Lyna e seu percurso de escrita
são a moldura das histórias de suas personagens.
Escritor não é autor, mas Vanessa expõe uma
vertiginosa vocação de criar narrativas através de
sua protagonista.
As relações externas, com colegas, com o âmbito da
oficina, o inevitável pensamento de que não é
possível conseguir escrever um texto sem sofrer, sem
saber-se perdido entre os espaços da criação, tudo
entra na construção de “Nanoromance”. A vida que se
embrenha no texto; o texto que vibra com a vida.
Tudo ao mesmo tempo percorre o romance de Vanessa
Silla, um exercício de observação do mundo e do
escritor que se fragmenta a cada texto escrito. O
prefixo “nano”, que compõe o nome da narrativa,
significa brevidade e dimensão reduzida ou, ainda, a
potencialização de algo a um nível muito elevado. A
segunda opção define a obra: Vanessa potencializa a
sua capacidade criativa, transformando sua
protagonista numa dessas potências, e Lyna, por sua
vez, também se expande nas suas criações.
“Nanoromance” é um livro sobre a arte da escrita,
sobre a vantagem do escritor de poder viver inúmeras
existências a partir da própria.
O mote do romance é contemporâneo e universal: a
visão do escritor sobre si mesmo, sobre seus
processos e labirintos de ideias e de imagens que
compõem seus textos, que o tornam tão especial e
indispensável aos seus leitores. Assim como autores
que se debruçaram sobre a escrita como Roland
Barthes e Robbe Grillet tratando dos aspectos de
construção, preparação e idealização do romance,
respeitando suas novas formas, admirando suas
modificações, Vanessa escreve sobre o exercício
cotidiano da escrita do gênero. De um modo muito
particular e compatível com o seu tempo, a autora
pertence a esse seleto grupo de escritores que é
esperado, desejado pelo universo da leitura. E, mais
do que tudo, é a certeza de que Vanessa Silla sabe,
definitivamente, criar personagens.
Gabriela Silva é autora de
Ainda é céu, livro de poemas.
Nasceu em São Paulo, mas vive em Porto Alegre.
Formada em Letras, é mestre e doutora em Teoria da
Literatura pela PUCRS.